Um dia vou-vos contar …
Um dia, vou-vos contar, ia em
viagem para Mandimba montado na carroçaria de ferro de um camion militar GMC,
atapetado com sacos de areia. A estrada era só lama e rilheiras, serpenteando a
floresta densa e verdejante. Os condutores tinham instruções rigorosas para não
saírem das rilheiras devido ao perigo de pisarem minas
A coluna militar era constituída
também por jeeps e unimogues, estes da marca “Mercedes”, muito altos e com
carroçaria de madeira.
O condutor do unimogue era negro
e nessa viatura viajava uma secção de soldados de ambas as raças, recrutados na
colónia, comandados por um furriel. No camion GMC viajava uma secção de
soldados que tinham vindo de Portugal continental e que eram todos brancos, comandados
por um sargento. Além disso, transportava todos os produtos para alimentar a
companhia durante, pelo menos, 15 dias: enlatados, óleos, ovos, bacalhau,
leguminosas, enfim diversos artigos.
Deus escreve direito por linhas tortas!
Como achei estranho que à frente
da coluna fosse o “unimogue”, carroçaria de madeira ( imaginem o efeito do
rebentamento de uma mina anticarro), enquanto a “GMC”, carroçaria de metal,
atapetada de sacos de areia, seguia imediatamente a seguir, perguntei ao
sargento a razão de tal medida e este disse-me, sem qualquer pudor, que “não
veio para a colónia para morrer. A morrer que morressem os pretos que estavam
na sua terra”.
Mas, ironia do destino, aconteceu
o inesperado. A vida tem destas coisas: “Deus
escreve direito por linhas tortas”!
Eu conto.
O condutor negro do “unimogue”
fazia aquele percurso pela primeira vez. Mandimba, ficava a 80 klms. Tinha sido
recrutado recentemente para substituir outro condutor que tinha acabado o seu
tempo do serviço militar. Obtivera há muito a carta de condução e era
experiente naquelas estradas.
A coluna lá seguia lentamente,
pois quando chegava a um rio ou riacho havia necessidade de se reconstruir a
respectiva ponte com troncos de árvores e restos de tábuas ali espalhadas. As
viaturas tinham maior dificuldade nas subidas ao sair das pontes, pois patinavam
na lama quando o motor transmitia mais força aos rodados.
Naturalmente que nestas
circunstâncias e ainda mais quando se atravessavam aldeias, embora todas
desertas, eram tomadas precauções de defesa. Passava a primeira viatura,
acelerada, enquanto os militares das outras viaturas a cobriam com as suas
armas engatilhas e prontas a disparar a qualquer ataque.
Como disse, o novo condutor do
“unimogue” tinha grande experiência de condução e, por isso, habituara-se a
conduzir fora das rilheiras. De quando em quando o furriel chamava-lhe a
atenção, mas ele voltava ao mesmo.
E de repente, ouviu-se um grande
estrondo naquela mata. Irrompeu de imediato uma grande gritaria; ouviam-se
rajadas de espingardas e de metralhadoras. Toda a gente deitada ou agachada no
solo, espingardas e até pistolas empunhadas a disparar contra desconhecidos e
lugar incerto.
Afinal, o que acontecera?
É isso mesmo o que está a pensar:
O camion “GMC”, que nunca saia das rilheiras, pisara uma mina anticarro e
ficara esfrangalhado. Felizmente o sargente sobreviveu. E também os ocupantes
do “unimogue”.


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