Era muito jovem e já era comerciante. Joaquim Palhinhas,
quando tinha 16 anos foi convidado pelo tio, Ricardo Palhinhas, que vivia no
bairro de S. João da cidade do Huambo, a emigrar para Angola, ajudando-o a
mudar da vida, pobre e sem futuro, que mantinha em A-da-Gorda na Lourinhã. A
partir de Lisboa viajara no paquete “Vera Cruz”, após ter recebido a
indispensável “carta de chamada” de seu tio, que se responsabilizou (era da
praxe) pelo seu alojamento e a sua alimentação. Desembarcou no Lobito de sacola às costas à
moda saloia e com chapéu para se defender do paludismo.
Cedo
aprendeu todas as manhas de comerciante: roubar no peso e nas medidas ! Passado
uns anos, abriu no mesmo bairro a sua própria loja, onde vendia fuba, peixe,
óleo de palma, petróleo, tecidos, roupas, vinho, “cachilokototo”, etc. produtos
de primeira necessidade dos pobres e miseráveis negros.
Tudo corria normalmente até que um dia foi chamado
para a tropa. Fez a recruta em 1962 e foi mandado para a frente de combate
contra os movimentos de libertação. Baixo e franzino tinha como especialidade
as comunicações radiotelefónicas. Um sortudo, pois nunca saía do
aquartelamento, salvo quando toda a companhia era mandada para um qualquer
combate. Aí, camuflado, transportava às costas o respectivo rádio para ligar
entre si o quartel e os pelotões. Tinha distribuída apenas uma pistola,
enquanto os restantes membros da companhia dispunham de metralhadoras, bazucas
e morteiros.
O comandante da sua secção era um furriel também
oriundo do Huambo, por quem tinha admiração. Este fazia-se acompanhar sempre de
uma caveira que apresentava um furo no frontal. Trazia-a na mochila como
mascote. Dava sorte, dizia!
Guardado
está o bocado …
Bem!
Até que um dia …
O comando determinou que aquela companhia fosse
destacada para uma batida a uma região do Nordeste de onde eram desferidos,
ultimamente, ataques pelas forças de libertação (denominados terroristas).
Assim, o coitado do Joaquim Palhinhas teve de sair do quartel com o radio às
costas e a com pistola à cintura. De camuflado e capacete, mochila do
radiotelefone as costas, antena flexível esticada, ia com espectativa para a
frente de combate, sonhando com diversos cenários. Andaram quilómetros e
quilómetros, mas não encontraram inimigo
As populações que viviam nas matas abandonavam as
aldeias antes das chegadas dos batedores. Houve, no entanto, uma ocasião em que
estiveram quase a apanhar um pequeno grupo, que à pressa abandonou as palhotas,
pois havia vestígios de cozinhados e pequenos fogos. Deambulavam pela aldeia apenas
os animais domésticos: cabras, porcos e galinhas. Uma delas, em presença de um
soldado que procurava apanhá-la para uma apetitosa refeição como há muito não
disfrutava, escapou-se por entre o capim muito elevado. Contudo, o soldado não
desistiu de lhe deitar a mão e perseguiu-a. De repente, uma velha negra,
desdentada, seios secos e caídos, mãos na cabeça, aterrorizada por pensar que o
soldado a descobrira, levantou-se e pediu que a poupassem, que a não matassem. O militar
desistiu logo da galinha e ficou-se pela desgraçada velha, chamando o alferes
para tomar conta do caso.
Este tinha de tomar uma decisão: levar a velha,
que nem podia andar, até ao quartel, abandoná-la na sua aldeia, ou abatê-la.
Rodeado pelo seu pelotão e após discussão das variáveis resolveu abatê-la,
porque dava trabalho transportá-la e era uma lição para os terroristas.
Joaquim Palhinhas deu um passo em frente e voluntariou-se
para o acto. Coitado! Queria arranjar uma caveira como a do seu furriel! Deu-lhe um tiro e vejam lá: não foi autorizado a ficar com o troféu; apenas com uma das orelhas.
Sem comentários:
Enviar um comentário