09 agosto 2017

O lobo e o cordeiro (contos repartidos 4)

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Caía uma chuva miudinha no acampamento, mas o sol rompia as nuvens e o dia clareou. Catonho estava só com a barraca e os instrumentos. Por isso, quando o dia aqueceu, encaminhou-se para as nacas onde certamente encontraria gente para conversar e conhecer melhor os hábitos da região. De longe viu um fio de fumo azulado que se elevava na atmosfera, sinal de gente a trabalhar, e foi nessa direcção. Encontrou várias mulheres a cavar a terra. Começaram a tagarelar sobre o desconhecido, estranho à região, mas bem parecido. Catonho destacou uma rapariga que disse chamar-se Gueve. Ficaram em amena cavaqueira. Era jeitosa, vestia um quimono que lhe cobria os seios e um pano florido preso à cintura, barriga lisa e pernas esbeltas. Trabalhava bem a terra com uma enxada curta que a obrigava a vergar-se, mostrando, ritmadamente a curva dos seios. Catonho há muito que desejava arranjar uma companheira, mas nunca tivera oportunidade. A sua aldeia no Bailundo, onde não seria difícil escolher uma rapariga, estava longe e nas constantes deslocações com o agrimensor nunca lhe tinha aparecido uma como Gueve. Preso pelos seus encantos, desafiou-a para o namoro:
-Você sabe, eu lhe gosto!
- Não lhe conheço.
- Sou Catonho, ajudante do engenheiro.
- Você quer casar; é assim que você quer?
- Palavra, lhe juro! Só de você que eu gosto!
- Sorriu! Não pode nada!
- Não acredita?
- Você sabe, minha vida não deixa namorar.Tenho meu homem.
- Quem é o teu homem?
- Chimuco.
- Você não vê meu coração sofre. É pena!

Estava comprometida com Chimuco, ausente no Norte, como contratado, numa roça de café. Disse-lhe que o contrato estava prestes a terminar, talvez chegasse dentro de uma semana e, por isso, não podia aceitar outro compromisso. Catonho despediu-se e rumou em direcção ao rio que banhava aquelas nacas. Numa curva, junto a umas pedras as águas formavam uma cacimba, onde algumas mulheres e raparigas, desnudadas, matacos e mamas ao léu, lavavam roupa e o corpo. Num alarido sorridente correram todas a cobrir-se. Olharam dissimuladamente para ele, fazendo comentários em voz baixa. Era um estranho, desconhecido da terra. Desviou-se dali sem as olhar respeitando a sua privacidade. Estava calor e sentou-se, mais abaixo, no meio de um tufo de chipipas, recordando a beleza de Gueve e a oportunidade perdida. Adormeceu a pensar naquela vida de isolamento, longe da família e sem qualquer companhia nem a do patrão que se ausentara para a cidade à procura de distracções para si inacessíveis. Acordou com o chapinhar da água. Alguém estaria ali próximo. Sorrateira e silenciosamente afastou alguns pés de chipipa e vislumbrou Gueve, nua, corpo de ébano, seios empinados, ancas firmes a banhar-se. Observou-a discretamente e invejou a sorte de Chimuco. Recusava-se a aceitar que tudo estivesse perdido. Partiu desolado para o acampamento. Não era o seu dia de sorte. Entreteve-se a preparar mais estacas e a confeccionar o seu jantar.

Vilares, fechado no quarto para não ser visto por ninguém, saciava Zulmira sedenta de sexo. Esta repudiava e ignorava o marido de quem se afastara há muito. Que bom par de chifres! – pensava Vilares - enquanto lhe falava em marotices. Pela madrugada adormeceram completamente esmagados e cada um para seu lado da cama, sem energia para mais nada.
De manhã cedo, ainda escuro, apanhou o jipe escondido na mata e voltou ao acampamento, sem remorsos, farto e pronto a retomar os trabalhos de campo. Durante o mês seguinte não descansou um momento. A caderneta tinha dados suficientes para começar a traçar em papel vegetal as linhas mestras da demarcação. Ao serão desenhava as plantas, e, como prometera ao Soba Cahundo, assinalava a localização das lavras e da aldeia. Era a única forma de se redimir do trabalho que indignamente aceitara.
As saudades da vida agitada e de Alzirinha levaram-no à cidade, deixando novamente, só, Catonho, guardião da barraca e dos haveres. O pensamento persistia naquela mulher. Teve curiosidade em saber se Chimuco, marido da Gueve, havia voltado da roça de café, pois tivera conhecimento de que várias levas de contratados haviam regressado à terra. Dirigiu-se à naca onde a encontrara a primeira vez e viu-a deslumbrante, curvada, a semear milho. A batata-doce já estava plantada nos montículos de terra. A colheita destinava-se ao período seco do cacimbo. Abordou-a e soube que o marido não tinha regressado. Ficara no norte, junto de outra mulher, que lhe ia dar um filho. Aproveitou para renovar a proposta de casamento. Gueve lembrou-lhe as dificuldades, pois havia o problema do alembamento. Não o desdenhava, achava-o atraente, mas não sabia como proceder naquela situação e aconselhou-o a falar com o pai. Sabendo como tradicionalmente estes assuntos são tratados, surripiou uma garrafa de aguardente ao patrão e foi ao encontro dele. Este ouviu a sua pretensão, bebericando, e pediu-lhe uma garantia constituída por uma nema, duas mantas, quatro garrafões de vinho e um porco, o que foi imediatamente aceite. Com a ausência do patrão dispunha de tempo e de dinheiro, amealhado ao longo dos anos que trabalhava para o agrimensor, sempre pontual no pagamento, para juntar os produtos combinados, não esquecendo a prenda, um cambriquite, para a futura sogra e um quimono e um pano para a sua noiva Juntou-se a família que devorou o porco e bebeu os garrafões de vinho.

Atenção: BCA (Bai continuar ainda)

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