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Catonho encontrou o soba da aldeia, Cahundo, que o inquiriu sobre a razão da estadia do agrimensor, ficando preocupado e confuso com as informações colhidas, pois o futuro da sua gente estava dramaticamente em perigo. A terra é alheia: é de todos e não é de ninguém. Convocou para essa noite uma reunião no jango, debaixo da grande mulemba, para expor os receios aos homens e mulheres que viviam sob a sua orientação e autoridade. Antevia a ocupação das lavras e das nacas, restando-lhes não mais do que trabalho escravo para sustento das famílias. Pensava na deslocalização do povoado para continuarem livres. Uns, concordaram; outros, lembraram os antepassados, os ausentes no contrato, décadas de uma vida, sem esperança, a lavrar, a semear e a regar para sustentar a família Decidiram não abandonar as terras e aguardar, pois talvez as suas vozes não fossem abafadas nem esquecidas. Resolveram colaborar com o agrimensor para lhe darem indicações sobre as suas lavras e o seu gado.
Catonho deu conta ao patrão dos contactos estabelecidos e começou a preparar o material para o início da demarcação. Na manhã seguinte, à marretada, foi cravada a primeira estaca, ali mesmo no centro da orla. Instalou-se o tripé com o fio-de-prumo apontado à estaca e, por indicação do agrimensor, Catonho transportou miras, estacas e marreta para locais convenientes. Colocava a mira e por indicações de mais à esquerda ou mais à direita ia-as cravando, enquanto Vilares fazia anotações trigonométricas na agenda. Percorreram alguns quilómetros a pé e regressaram ao acampamento ao anoitecer. Enquanto Vilares acendia o petromax para iluminar a barraca, o ajudante aquecia água e punha as panelas ao fogo para confeccionar o jantar. Vilares descalçou as botas e meteu os pés numa bacia de água quente, pois o primeiro dia de caminhada deixara marcas dolorosas. Sentou-se, depois, numa cadeira de lona, gozando a paisagem enquanto saboreava um whisky. Tudo era calmo na noite. O fumo do carapau seco a assar com tempero de jindungo despertou-o da letargia e não se acanhou em alinhar. Comeu a iguaria com pirão, acompanhado de vinho tinto. Caiu na cama cansado e adormeceu rapidamente.
Vilares não era madrugador. No dia seguinte, levantou-se já o sol ia alto. Tomou somente uma caneca de café. Descapotou o jipe, baixou-lhe o pára-brisas, carregou as bicuatas de trabalho e partiu, acompanhado do infatigável Catonho, para mais triangulações e medições. Colocou num extremo a primeira tabuleta com as iniciais A.L. Era o primeiro aviso da apropriação ilícita daquelas terras. Nunca almoçava nessas incursões, apenas bebia café. Regressou a meia da tarde para descansar, jantar e dormir. À luz ténue do petromax fez o balanço do dia, tomando notas e planeando trabalhos futuros. Assim se passaram quinze dias. Conversou com o soba que lhe expôs as suas preocupações. Tomou notas sobre os seus pedidos, nomeadamente o respeito pelas lavras e nacas pertencentes ao seu povo. Deitou-se, seguindo distraidamente os insectos que chocavam contra o vidro do candeeiro. A luz evanescente apagou-se por si. Na escuridão, recordou o corpo esbelto de Alzirinha tantas vezes percorrido com carícias e beijos. E também os olhos lascivos de Zulmira. Ficou indeciso. Que fazer? Ir à cidade? Optou por esta que era novidade. Mas como abordá-la? Surge-lhe Catonho com um bilhete acabado de chegar, em mão, de Zulmira. Coincidências. Estava só e convidava-o a ir ao Songo nessa noite, que deixasse o jipe afastado da povoação e que entrasse pela porta dos fundos. Não se fez rogado. Deu as recomendações indispensáveis ao Catonho, dizendo-lhe que voltaria no dia seguinte, e partiu de jipe para a povoação comercial. Tomou as precauções indicadas, escondendo a viatura numa pequena mata. Caminhou a pé o quilómetro restante, entrando pelo quintal como um ladrão. A porta da cozinha estava entreaberta e Zulmira, nervosa e ardente, coração batendo forte, esperava-o. Coberta apenas pela camisa de noite de seda transparente, beijou-a com sofreguidão. Caíram pesadamente na cama do casal. Abraçou o seu corpo quente, sentiu a sua pele doce e perfumada e acariciou-a Era gostosa e amorosa, uma tempestade. Zulmira reconfortava-se com aquele homem ao lado ou por cima, que lhe reacendia as emoções. Gemia e suspirava. Foi-se calando pouco a pouco e adormeceram. Não acordaram senão às nove horas e voltaram a fazer amor. Estiveram na cama até ao meio-dia, abraçando-se, beijando-se e amando-se....
Atenção: BCA ( Bai continuar ainda)
"Se o nosso espírito pudesse compreender a eternidade ou o infinito, saberíamos tudo. Até podermos entender esse facto, não podemos saber nada."
Fernando Pessoa
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