10 agosto 2017

O lobo e o cordeiro (Contos repartidos 5)

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Estava também o soba para dignificar aquele acto. Enquanto coziam a bebedeira, Catonho esgueirou-se com a sua Gueve para o acampamento, onde, entre juras e promessas, fundiram os corpos pela noite fora. Catonho já não estava só e Gueve cozinhava com esmero e limpeza. O almoço foi retemperador: peixe seco com rama de batata-doce, cozido em óleo de palma, acompanhado de pirão de milho que há muito não comia. Viviam na cubata que era limpa e arejada, mas, quando Vilares estava ausente, iam para o quimbo para a cubata da mulher. Ali havia mais convivência,  divertiam-se  e dançavam nos batuques.
Num domingo, ao princípio sem se saber porque motivo, Lobo apareceu no quimbo. Andava na cobrança de fucas e dava em cima das raparigas. Já desvirginara várias usando técnicas intimidativas a troco de quase nada. Viu Gueve que passava, ancas mexendo e a quem já tinha deitado o olho. E onde punha o olho queria por a mão. Estava acompanhada do Catonho. Topou ali uma presa e sem qualquer pejo, voltou-se para o rapaz e disse:
    - Deixas-me dar uma curva com ela?
    - Não, patrão! Sorriu…
    - Não tem mal nenhum, seu tupariove!
    - Olha, patrão: Quando o tesão chega o juízo foge nos colhões!
Lobo titubeou, desarmado e envergonhado. Iria ensiná-los como tratar um homem como ele. Não é desta, mas não desistirei enquanto não te puser as mãos em cima – pensou Cambuta. Ainda hei-de papar esta gaja!
No domingo seguinte, e porque o patrão não regressara ao acampamento, Catonho foi à loja do Lobo para se fornecer de farinha, óleo de palma, dendem, sabão e petróleo que faltavam na cubata, mas deixou a sua companheira em casa, pois temia nova investida. Foi quando Lobo, consultando o livro dos fiados, lhe disse:
    - Quando é que pagas os cinco contos da tua fuca?
- Patrão está enganado. O que comprei já paguei!
    - Não estás casado com a mulher que foi do Chimuco;
    - Sim. Estou!
- Bem! O Chimuco fiou aqui vários artigos antes de partir para o contrato; e como casaste com a ex-mulher pagas por ele;
    - Popilas! Riu-se!
    - Estás a rir? Filho da puta! Queres porrada?
- Mas como, chinder? Nada tenho a ver com essa fuca. O Chimuco é que a contraiu!
- Seu negro de merda! Matumbo armado em esperto. Aqui quem deve ou paga a bem ou paga a mal. Olha que levas com o chicote!

Retirou de debaixo do balcão um cavalo-marinho e quando levantou a mão para vergastá-lo, Catonho agarrou-lha impedindo a agressão.
Lobo sentiu que perdia a autoridade. Mais uma vez estava a ser desautorizado por aquele negro. Catonho era alto e forte. Por momentos temeu enfrentá-lo. Mas apanhou um bico de charrua e atirou-lho à cabeça. Catonho caiu ao chão tonto e cheio de dores. Do rombo na cabeça borbulhava sangue que escorria pelo pescoço e pelos olhos. Em defesa encolheu-se, fugindo aos pontapés e a novos golpes do Cambuta. A ferida era profunda e carecia de tratamento imediato. Levaram-no numa padiola ao acampamento, onde, felizmente, dispunha de uma caixa de socorros. Apesar do sofrimento e das tonturas, amparado pela sua companheira, abriu a caixa de emergências e orientou-a na desinfecção da incisão com água oxigenada, preparou um penso de algodão embebido em mercurocromo que colocou na ferida, seguro por uma ligadura. Deitou-se cheio de dor, cabeça latejante, amaldiçoando o comerciante que contratara os serviços do seu patrão. Este chegou já noite e horrorizou-se com a violência da agressão. Filho de um padre! Além de ladrão é um covarde. No dia seguinte apresentou Catonho ao juiz de paz que levantou o auto de notícia e requereu exames médicos para determinar a incapacidade do ofendido ou o tempo de baixa. Parou os trabalhos por falta do ajudante e resolveu tirar satisfações ao comerciante. Deslocou-se ao Songo e mostrou o seu profundo desagrado por aquele acto condenável. Lobo desculpou-se como pôde, que não sabia que era seu ajudante, prontificando-se a indemnizá-lo e suplicou a anulação da queixa. Estava tudo nas mãos do juiz de paz, disse Vilares, que aceitou, desde logo, a indemnização em nome do seu ajudante. Sabia como tudo funcionava, o poder do comerciante e a venalidade das autoridades. Mais valia um pássaro na mão do que dois a voar!
O bexigoso convidou-o para almoçar. Contrariado, aceitou. Havia que manter os laços contratuais, tanto mais que os trabalhos estavam quase concluídos e não era despiciendo o valor em jogo. Reviu Zulmira que se esmerou nos acepipes e na escolha do vinho e do conhac e que lhe incendiou o desejo! No quarto de visitas, e enquanto dormia uma sesta apaziguadora, esta apareceu-lhe atrevida e completamente nua. Enquanto o cabrão do marido se entretinha nos fiados do cachipembe e cambriquites, fornicou-lhe a mulher.
E a vida custa.

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