... escondendo nos actos e nas relações sociais a sua indiferença e frieza. Nunca engravidou. Quando ele caía na cama, depressa adormecia num sono profundo, roncando. O abastado comerciante fizera fortuna roubando nos pintados, quinando vinho com água, vendendo cachipembe e mão-de-obra que angariava no local. Os produtos da terra, milho, massango e massambala, que comprava, eram pesados numa balança com pesos descalibrados. Roubava na pesagem e no pagamento. Não tinha escrúpulos nem princípios.
Zulmira olhando lascivamente Vilares, ofereceu-lhe a casa que sem visitas ficava silenciosa e solitária. Vilares aceitou, olhando-a com desejos inconfessáveis, excitado com a experiência da infidelidade.
O ano fora parco em chuvas. A seca mantinha-se desde o ano anterior e, por essa razão, a colheita de milho, principal produto da região, seria desastrosa. Adivinhava-se fome. Por isso, Chimuco, como tantos outros que nada colheriam, aceitara ser contratado para fazendas de café no Norte, endividando-se na loja com produtos para alimentar a mulher durante a sua ausência O fiado seria pago no regresso e talvez dos salários auferidos na vigência do contrato sobrasse algum dinheiro para comprar panos e roupas e, quem sabe, os bois que há tanto ambicionava para puxar a charrua. Desse modo o património do Lobo aumentava exponencialmente, tanto que pretendia agora dedicar-se à criação de gado e à plantação de tabaco. Fiados e juros sobre juros pesavam nas bolsas vazias de quase toda a população da região que o enriqueciam cada vez mais. Não tinham alternativa ao redor de meia centena de quilómetros.
Vilares despediu-se de Zulmira, sem deixar, descaradamente, de colher com os olhos o peito que ameaçava saltar-lhe do robe. Prometeu voltar quando tivesse os trabalhos adiantados.
Arrancou para Cacolongo, no encalço do comerciante que seguia adiante na sua camioneta. O sol subia o céu sem nuvens e irradiava calores sufocantes. A paisagem verde do capim, ponteada de bananeiras, nespereiras e de milheirais secos, mostrava pequenas florestas. O cheiro da terra molhada pelo orvalho da noite, misturava-se com outros odores que traziam lembranças. As nacas em preparação para o tempo do cacimbo, estavam a ser cultivadas por mulheres de trajes garridos, filhos às costas, que acenavam medrosas e inquietas com a passagem logo de duas viaturas cujo ruído lhes apertou o coração, augurando sarilhos.
A viagem curta, sem enterranços, mas demorada, devido à desgraçada picada, terminou quando Lobo parou a camioneta numa orla e anunciou a José de Vilares que ali era Cacolongo. Situado próximo de um quimbo, habitado por pouca gente, era uma zona de terras férteis, riachos de água límpida e alguma floresta.
- Então aonde é que ficam os terrenos a demarcar?
- Aqui mesmo: são dez mil hectares, desde o rio Chivera ali ao Norte até ao Cuvera ao Sul.
- Mas nestas terras há pessoas, gado, lavras e a área requerida integra tudo, exclamou José de Vilares.
- Pois, pois! Mas cabemos cá todos: os homens terão trabalho e as mulheres nacas; plantarei tabaco e criarei gado. Olhe: acolá, próximo do rio Cuvera, construirei um tanque para desinfestação do gado e mais abaixo uma vacaria Aqui, nesta orla, edificarei uma vivenda e o armazém para recolha de tractores e ferramentas e depósito de alimentos e rações.
Embora aqueles interesses se sobrepusessem à sua razão, Vilares decidiu vender a alma ao diabo, soçobrando perante o chorudo contrato. Converteu-se em cúmplice. De repente recebia de uma mão suja o ignóbil trabalho de espoliar aquela gente. António Lobo era um homem rude, grosseiro, explorador e gatuno.
Atenção : BCA (Bai continuar ainda)
"Se o nosso espírito pudesse compreender a eternidade ou o infinito, saberíamos tudo. Até podermos entender esse facto, não podemos saber nada."
Fernando Pessoa
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