O que é da Filomena ?
Estava decidido antes de nascer . Chamar-me-iam de Filomena. Então não era uma promessa da minha mãe, devota de Santa Filomena ?!. Fiquei “Filó” para a família e os mais íntimos e vivendo entre a Filomena e a Filó para os mais afastados.
Nasci durante o “cacimbo” em África, numa vila simpática, arejada, situada num grande vale entre duas montanhas: as serras do Indongo e a da Ganda. Clima temperado, seco, procurado por doentes pulmonares que ali encontravam alívio.
Cidade da Ganda
A minha casa, ou melhor, a casa onde nasci, situava-se no meio da vila. Era modesta e o seu interior era pobre. Mas o que percebiam disso as crianças ? Tive uma infância feliz. Traquina, ria-me, como hoje, por tudo e por nada. Hiperactiva e conflituosa.
A minha ama-seca, Custódia, levantava-se muito cedo e levava-me para a rua. Arrebatava umas mantas ( cambriquites ) e deitávamo-nos na areia fina depositada pelas enxurradas, junto ao passeio. Muitas vezes, nessas madrugadas, ainda se ouviam, como ameaças, os uivos dos lobos e as risadas nervosas das hienas, que arrepiavam . Cobríamo-nos com os cobertores e sentíamo-nos inocentemente mais seguras.
Escola primária da Ganda
Não sei como cresci. Lembra-me de ter apanhado paludismo e das injecções que o enfermeiro Silva me injectou para o debelar. Foi um sofrimento atroz, pois o liquido das ampolas injectado provocou grandes inflamações nos meus gluteos e fui várias vezes lancetada para me salvar desse mal. Não havia, como hoje, seringas descartáveis; as seringas, de vidro, eram quase eternas. Fervidas de uma aplicação para outra com a respectiva agulha, eram fonte de infecções se houvesse desleixo na sua preparação. Fui, por isso, retalhada e comecei, desde aí, a padecer de muita dor e a conhecer o sofrimento.
Igreja católica da Ganda
A adolescência foi um pesadelo. “ Meu Deus ... faça com que eu tenha coragem de me enfrentar. Faça com que eu saiba ficar com o nada e mesmo assim me sinta com se estivesse plena de tudo.” (1) Fui …….
Mas tudo passou. Tive quatro filhos, um rapaz e três raparigas. E tenho três netas. Todos vivemos à espera de dias melhores que nunca chegam. E continuo a rir, às gargalhadas !
Não pude estudar na idade apropriada, pois tive que desistir dos estudos para cuidar da minha mãe que adoecera irreversivelmente, a que mais tarde se juntou o meu pai. Mas não perdi a esperança e lutei, estudei e eduquei-me ao longa da vida para ajudar solidariamente a minha família. Tive tempo para muita coisa. Até para versejar como estes que dediquei aos meus irmãos:
Jardim africano (Ganda)
Aquele jardim africano
De tantas recordações
Nunca o vou esquecer
Cada vez mais o amo
O Álvaro tão circunspecto
Amigo dos seus irmãos
Foi de todos sempre
O mais prudente e esperto
O Fernando, meu irmão
Meu companheiro e amigo
Foi quem mais brincou comigo
E me estendia a sua mão
O Ruca, os Lagoas
Numa amigável guerra
Jogava à bola
Com os irmãos Malaguerra
Oh! Manuela, Manuela
Minha irmã … Flor!
Porque será que quando penso em ti
Sino tão grande amor !
E por aqui me fico...
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(1) - De Clarice Lispector
"Se o nosso espírito pudesse compreender a eternidade ou o infinito, saberíamos tudo. Até podermos entender esse facto, não podemos saber nada."
Fernando Pessoa
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