Tinha quatorze ou quinze anos quando guiei pela primeira vez uma viatura. E logo uma camioneta da marca “Chevrolet”, velha, guarda-lamas amachucados, sem travões, uma "chevrolatas" como e dizia na altura. Estávamos a circular por um descampado, quando pedi ao motorista do meu pai, que me deixasse guiar a viatura.
Era quase um familiar, filho, como então se dizia, “ ilegítimo “ do Hilário Rebelo, do Caluquembe, o qual exitou, mas acabou por condescender e arriscar. E deu-me algumas indicações. Pronto: fiquei de imediato encartado.
Um dia, o meu pai estando com dificuldades em descarregar um vagão de pedras de cal, pois não tinha já o motorista que me encartou, ofereci-me para conduzir a camioneta. Ficou incrédulo, mas apostou em mim. E lá fui. Lembro-me que, conjuntamente com os “contratados”, trabalhadores para carregar as pedras que se destinavam ao forno de cal, levei comigo o meu irmão Ruca.
A minha experiência era quase nenhuma. Coloquei a viatura, em marcha-atrás, junto ao vagão a descarregar, dei várias bombadas no pedal do travão e gritei para um dos trabalhadores que pusessem calços nas rodas de trás. Assim o fizeram com pedras de cal retiradas do vagão.
Saí da cabine e o mesmo fez o Ruca. Assistíamos ao carregar da camioneta, assobiando e cantarolando ou incentivando os carregadores a um esforço maior. O Ruca subiu para o guarda-lamas, quando estava quase completo o carregamento; mas de repente a camioneta com o peso das pedras e os solavancos que lhe imprimiam no arrumo das pedras, galgou os calços que a travavam e, como não estava engatada numa qualquer mudança, desatou a descer por ali fora, em direcção a uma ribanceira e a um precipício. Gritei para o meu pequeno irmão: Ruca, salta! Ruca, salta! Ruca, salta ! Enquanto corria atrás da camioneta na perspectiva de entrar na cabine e pará - la. De repente, muda de direcção contra um grande eucalipto e, por azar, guina para o precipício, mas, por felicidade, surge-lhe um arbusto que travou, amachucando apenas um guarda-lamas.
Á força de braços, lá endireitamos o guarda-lamas que roçava o pneu e conduzimos a viatura até ao forno da cal e descarregamos a pedra para ser cozida.
Lembra-me que deitei um olhar para a minha casa e vi o meu pai à varanda a apreciar a situação. Quando ali cheguei e estacionei a camioneta, esperava-me o meu pai que perguntou: estragaste muito?; ao que respondi: amolguei apenas um guarda-lama. Pronto, meu filho !
Era assim o meu pai.
"Se o nosso espírito pudesse compreender a eternidade ou o infinito, saberíamos tudo. Até podermos entender esse facto, não podemos saber nada."
Fernando Pessoa
12 novembro 2020
O chevrolatas
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