"Se o nosso espírito pudesse compreender a eternidade ou o infinito, saberíamos tudo. Até podermos entender esse facto, não podemos saber nada."
Fernando Pessoa
05 outubro 2019
Racismo (2)
Ainda a propósito de um artigo muito contestado
de uma historiadora, devo acrescentar que temos a mania, e que é parte valiosa
do nosso património histórico, de que “onde nos estabelecemos adaptamo-nos
perfeitamente aos ambientes próprios e estilos de vida tradicionais, procurando
que o exemplo e o convívio sejam os meios mais destacados da assimilação que se
pretendia e nunca esquecidos de que “ não ordenou o Senhor Deus tão maravilhosa
coisa como é esta navegação para ser somente servido nos tratos e proveitos
temporais de entre nós, mas também nos espirituais e salvação das almas que
mais devemos estimar e de que ele é mais servido …”. (Mensagem do rei D. Manuel
para o samorim de Calecut, 1500), mania essa muito cultivada no longo período
salazarento, mas esquecemos que o predomínio do espírito de missão, o
imperativo sempre observado de não fazer violência aos povos, é uma grande falácia,
uma lamentável mentira.
A prová-lo, trago à colação
a carta do Governador de Benguela, Pedro Jozé Correa de Quevedo Homem e
Magalhiaes, de 18/8/1786 para Martinho M. Castro, constante da caixa 59 de
1783/1786 do Arquivo Histórico Ultramarino (Rua da Boa-Hora), cujo texto se
transcreve:
“ Na
ocazião prezente remeto a V.Exª. um cazal de pretos, sendo eles brancos
chamados assas (sic) filhos de pais todos pretos e por saber o gosto que V.Exª.
faz de couzas raras, produzidas por estes certoens de Africa, por isso tomo a
liberdade de lhe oferecer estes dois bixos, para bixos da sua cozinha, por
serem muito amigos de estarem ao pé do fogo. Eu estava a espera que a rapariga
fizesse idade para os poder cazar, para ter o gosto de ver a produção em razão
dos pays serem, como já dice, pretos, porem como sucedeo hindo o maxo cortar
huma pouca de palha bem perto de caza lhe sahio huma onça a quere-lo pilhar e
neste meio tempo huma cadela que levava em sua companhia entrou a ladrar a onça
com tal felicidade que lhe escapou das garras, mas não a cadela que logo a
matou e comeu e antes que suceda outra os remeto nesta ocasgiam e juntamente um
caixotinho com um ovo de ema (…)
Esta não é de modo algum uma situação
extraordinária ou anómala. A política da nação, neste aspecto como em muitos
outros foi secundada por missionários e colonos.
Não venham, pois, com a teoria de que, hoje,
não existe racismo, porque até temos governantes e candidatos a deputados de
raça negra.
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